terça-feira, 23 de março de 2010

Tradução: The BKP - Song canvas (Piece by Piece) & The BKP Edição Especial [PARTE 1]


The Power of Orange Knickers

“Comecei a pensar na palavra ‘terrorista’. É uma palavra que hoje se ouve muitas vezes, num único dia. Comecei a pensar sobre o que é ser um terrorista em diferentes situações. Quis explorar o reino da invasão íntima. Agora, podemos falar de invasão por alguém conhecido, não um estranho. Todos nós sabemos de estranhos completamente tomados pelo ódio, estranhos que atacam um governo ou um ideal. Como resultado, este estranho mata pessoas inocentes, tragicamente, pessoas que você conheceria pessoalmente. Mas, quando há intimidade entre pares, e um começa a se sentir invadido pelo outro, isto se trata de terrorismo íntimo. O campo de batalha entre dois amantes, dois amigos, ou dois colaboradores, pode ser viciante. Doloroso. Pode partir corações. Ser sangrento. Comecei a pensar sobre as armas que poderiam ser usadas neste tipo de batalha, e à medida que afundava em minha busca, esbarrei no reino da ‘assonância’. Pensei, ‘Ok, qual o paradoxo para a palavra terrorista?’ E a assonância, esta bela criatura, veio em meu socorro e soprou, ‘Beijo’. E, de fato, todos nos sentimos invadidos por um beijo lancinante, para o bem ou para o mal. Tive de encontrar, porém, o terrorismo não só num relacionamento de um casal – representado por dois seres distintos, mas dentro de um único ser. Afinal de contas, não é esta a última instância, a dor mais basal – divisão dentro de um ser, a alma do corpo, a mente do coração, a sabedoria da consciência, o vício da cura, as duas Marias... Divididas?” (Song canvas, Piece by Piece)

Witness

“A traição surge de formas estranhas e, às vezes, vem de lugares inesperados. A vida pode parecer normal em alguns dias, por dizer. Porém, em outros, você acaba se sentindo dentro de algo sinistro, como um romance de Hermann Hesse. Gostaria de lhe dizer que nada mais me surpreende. Porém, infelizmente, isso não é verdade. A fama e o dinheiro expõem as pessoas a quem elas são, de verdade. Alguns estão dispostos a tudo para mantê-los. ‘Witness’ é uma canção sobre traição, e esta semente sempre é plantada no Jardim da Sin-sualidade...” (Song Canvas, Piece by Piece)

Martha’s Foolish Ginger

“Comecei a escrevê-la há anos atrás, quando estava próxima da água, em algum lugar em turnê. Tinha apenas uma idéia embrionária do que ela seria, mas a canção permaneceu por um tempo comigo, assim. Na turnê ‘Lottapianos’ de 2003, quando estávamos em San Francisco, mais uma vez na baía, a canção começou a voltar para mim. Uma vez que passei a entender melhor a personagem feminina que deveria incorporar, me senti capaz de concluir essa peça. A verdadeira virada, porém, ocorreu quando consegui ver o barco da personagem, chamado por ela de Martha’s Foolish Ginger, navegando para fora da baía em direção ao Oceano Pacífico.” (Song canvas, Piece by Piece)

Goodbye Pisces

“Fico meio idiota com uma boa canção de amor. Uma das minhas amigas enviou-me este livro, chamado ‘Sextrology’, principalmente pelo envolvimento dela com astrologia. Estava o folheando certa noite, e comecei a pensar sobre como num relacionamento é impossível evitar, às vezes, de pôr as atitudes de seu amante sob o jugo do signo dele. Não acho que o personagem dessa canção seja necessariamente um pisciano; ele talvez tenha peixes em algum lugar de seu mapa astral. Porém, mais que qualquer outra coisa, esta canção fala sobre o fim de uma era – Não importando se essa era é um relacionamento, ou a de Peixes, que perdurou pelos últimos 2000 anos. Às vezes, inclusive, um relacionamento pode parecer que já perdura por 2000 anos”. (Song canvas, Piece by Piece)

Hoochie Woman

“Isto é muito simples no mundo das garotas: algumas são tesudas, outras não, e algumas mais nunca deveriam tentar ser. Não é diferente da idéia envolvida no esporte. Agora, posso ir para minha esteira quatro vezes por semana, por 22 minutos, e isso me dá a sensação de que flerto com o mundo do esporte. Similarmente, uma mulher pode se vestir com uma bela peça para o seu homem, para aqueles momentos, e aí, ela acaba paquerando algumas roupas utilizadas comumente por mulheres tesudas. Mas em momento algum se confunda. Minha esteira e eu não podemos nos considerar atletas. Usar roupas de uma mulher tesuda não a transformará numa. Então, se você é uma verdadeira mulher tesuda, talvez roupas abaixo do umbigo sempre estejam em seu futuro. Se você não é, por favor, não jogue fora sua jaquetinha de algodão”. (Song canvas, Piece by Piece)

Ireland

“Enquanto escrevia ‘Ireland’, estava lendo um livro que ganhei de um jornalista sobre James Joyce, e fiquei completamente seduzida pela sua tapeçaria, sua vida. Existiu uma freira corrompida que havia lhe ensinado o nome das montanhas lunares. Compreendi que se ‘Ireland’ fazia referência a James Joyce, então era necessário ter freiras... E se tivéssemos freiras, precisaríamos invocar também sadomasoquistas de colarinho branco, vindos de Wall Street. Ter eles nos leva aos Vikings, desde que você considere que a presença destes é ainda sentida em qualquer lugar da Irlanda. Se você tem vikings, deve-se incluir as lendas irlandesas antigas, que costumam ser divididas em quatro ciclos (O ciclo mitológico, o ciclo de Ulster, o de Fianna e, por último, já no início da era cristã, o ciclo dos Reis) (...)
‘Ireland’ incorpora também a história de Macha, a Deusa da Maternidade e laços sanguíneos, que, quando grávida de nove meses, foi obrigada pelo marido a correr contra os cavalos do rei, para confirmar uma vantagem contada por ele. Macha correu mais rápido que os cavalos – E amaldiçoou os filhos de Ulster depois de parir seus gêmeos. Tarde da noite, nos pubs da Irlanda, você às vezes ouvirá alguém mencionar a maldição de Macha, que, para muitos, ainda pode lhe pegar quando você menos espera.” (Song canvas, Piece by Piece)

Barons of Suburbia

“Esta canção é sobre ‘saqueadores’. Nós todos os conhecemos, como pessoas de nosso trabalho, ou amigos que nos surpreendem, ao percebermos que quando a situação começa a ‘feder’, estarão mais preocupados em saber o que restou para eles nisso tudo. No fim das contas, eles nem ao menos fingem estar preocupados com seu bem-estar, ou o bem-estar da amizade, ou qualquer outra coisa. Qual o problema da idéia de que ambos vençam? Porque sempre alguém tem de comer poeira? Jesus... Por esses dias, está ficando mais difícil formar uma equipe na qual as pessoas valorizem umas às outras. Podem até lhe dizer isso, mas, no fim do dia, cada um se importa apenas com o que poderá levar numa dada situação.
Lembro-me que há alguns anos atrás, um dos músicos disse a mim, ‘Acho que a música deveria ser de graça’. Não estava com humor para lidar com mais outro gênio, mas fiz isso, e respondi, ‘Bem, você fez com que a questão sobre para onde mandar seu cheque ficasse mais fácil de responder’. “Um”, disse o músico, ‘Onde você quer chegar?’. Respondi, ‘Não tínhamos certeza se enviaríamos seu cheque para o seu endereço ou para o de sua namorada, mas agora você respondeu a questão para mim’. ‘Não estou conseguindo lhe acompanhar, Tor’, disse. ‘Bem, já que você disse que música deveria ser de graça, obviamente não precisamos mandar seu pagamento para você’. O músico olhou para mim, incrédulo, e com um tom de choque na voz, retrucou, ‘Mas eu toquei com todo meu coração’. Olhei para ele, serenamente, e disse, ‘Então você acha que deve ser pago, mas música deveria ser de graça?’. ‘Bem, sim’. ‘E quem você acha que vai lhe pagar se a música for de graça?’, eu perguntei. É aí que está o problema – todos querem as coisas de graça, mas ninguém quer trabalhar de graça.

A verdade é que todas as pessoas que um dia me disseram que música deveria ser de graça ainda acreditam que devem ser pagas por seu trabalho, não importa que trabalho seja. Sentem-se completamente insultadas quando sugiro a elas que trabalhem de graça. Comumente ficam na defensiva nesta situação, e dizem, ‘Se eu não sou pago por um dia de trabalho, então estou sendo lesado’. Olho para eles e digo, ‘Concordo com você’. O músico em questão olhou para mim, como uma ovelha, e disse, ‘Acho que soei bem hipócrita... Mas, Tor, você está apenas brincando, né?’. E eu disse, ‘Sobre não ser pago? Tenha certeza que lhe pagarei, porque valorizo o que você faz. Mas você quer saber o que realmente me assusta, e eu digo, o que realmente me assusta?’. Ele me olhou, completamente desconcertado e disse, ‘Não... O que realmente lhe assusta?’ ‘O fato’, eu disse, ‘de que você não estava brincando’”. (Song canvas, Piece by Piece)

Original Sinsuality

“Com o Little Earthquakes, comecei a encarar a divisão que existia entre as duas Marias, tanto no meu íntimo como numa perspectiva mais ampla. Durante a fase do Pink, continuei a explorar esse caminho. Acho que assumir o papel da Sra Deus, ou da amante de Deus, na canção que chamei ‘God’ foi um grande passo para que eu pudesse reunir as duas Marias dentro de meu ser. Comecei a entender que precisava das vozes de ambas para assumir o arquétipo da Sra Deus, necessário à interpretação da canção. E quando me pergunto a questão que muitos já me fizeram antes, ‘Qual o Deus na canção God? Você menciona Deus, Deus?’, a resposta é, ‘Depende do que você pensa ser Deus’. Em Beyond Belief: The Secret Gospel of Thomas, Elaine Pagels lança luz sobre o conceito de ‘Deus atrás de Deus’ de alguns dos primeiros cristãos, por fazer referência a diferentes textos encontrados em Nag Hammadi (localidade no Egito aonde, em 1945, foram encontrados 13 manuscritos, reconhecidos como ensinamentos não-oficiais do Jesus Cristo e fundadores dos Evangelhos Gnósticos): Tomando o apócrifo, o livro secreto de João, Pagels escreve, ‘o livro secreto conta-nos uma história intencionada a nos mostrar que, apesar do Deus-criador definido no livro de gênesis ser apenas uma imagem antropomórfica da fonte Divina que criou o universo, muitas pessoas o confundem com o Todo Divino. Esta história conta como o Deus-criador em si, não sabendo da existência do Abençoado, O que abarca a Mãe e o Pai, o superior ungido em benção e feito de compaixão, vangloriou-se de ser ele o único Deus (Sou um Deus ciumento; não há outros iguais a mim). Querendo manter poder único, tentou controlar suas criaturas humanas por proibi-las de comer do fruto da Árvore do Conhecimento’. Aqui, preciso voltar ao livro de Dr. Meyers, The Secret Teachings of Jesus, vindo do evangelho, o Livro Secreto de João. Aquele que conhecemos como Jesus, o Salvador, está ensinando a seu discípulo:
‘Então Sophia, sabedoria da reflexão, invisível espírito do conhecimento e representante de um reino eterno, concebeu um pensamento. Teve uma idéia e também refletiu sobre ela. Quis parir um ser como ela... Porém, o que surgiu era imperfeito e diferente dela em aparência, por tê-lo concebido sem aquele que a amava. Ele não parecia sua mãe, tinha uma forma diferente... Ela então se separou dele, deixou-o fora daquele reino, para que assim os Imortais não pudessem vê-lo, por ela tê-lo criado em ignorância. Ele foi circundado por uma nuvem brilhante, e no meio desta, foi posto um trono, exceto para o Espírito Santo, que é chamado de Mãe da Existência. Ela chamou seu filho de Yaldaboath, e este foi o primeiro dirigente a receber grande poder de sua mãe... Este líder sombrio tinha outros dois nomes: Saklas era o segundo. Samael o terceiro. É perverso, pela ignorância que o habita, quando disse, ‘Sou eu Deus e não há outro igual a Mim’. O senhor continuou a falar para João – Aquele que foi arrogante tomou o poder de sua Mãe; ele era ignorante, por ter pensado que não havia outro poder que não fosse o Dela. Ele observou a multidão de anjos que tinha criado e exaltou a si sobre eles’.
No The Gnostic Gospels, Elaine Pagels escreve, “De acordo com a Hipóstase dos Arcontes, descoberta em Nag Hammadi, tanto a Mãe como sua Filha relutaram quando ‘Ele tornou-se arrogante, dizendo ‘Sou eu Deus, e não há outro além de mim’... E uma voz veio de cima, do Reino do Poder Absoluto, dizendo ‘Você está errado, Samael (que significa ‘Deus dos Cegos’). E ele disse, ‘Se outro coisa existe antes de mim, deixe que isso apareça!’. E imediatamente, Sophia (‘Sabedoria’) estirou seu dedo e introduziu luz em matéria, buscando-a dentro da região do Caos... E ele disse outra vez à sua cria, ‘Sou o Deus de tudo’. E a Vida, filha da Sabedoria, chorou e disse a ele, ‘Saklas, você está errado!’”.
Então, respondendo a questão, é a esse Deus que me refiro em God. Não estou me referindo ao Pai Divino de Jesus, chamado de ‘Pai Sagrado, a mais perfeita das Previsões, a imagem do Invisível, ou seja, o Pai de tudo, através dele tudo vem à vida, A Primeira Humanidade’, de novo citando Meyers. Nesta tradução, Jesus freqüentemente refere-se a si como o ‘Filho da Humanidade’”.
(Song canvas, Piece by Piece)

Sweet The Sting

Esta canção parece ser muito especial para Tori. Em algumas entrevistas, Mrs. T já expressou que ela representa o Hiero Gamus, o Casamento Sagrado entre o Profano e o Divino, o corpo e a alma. Algo como juntar as duas Marias (Maria mãe de Jesus e Maria Madalena), temática circulante pelo álbum todo. Tori inclusive diz que essa busca de unidade na dualidade, orientada não pelo pecado, mas pela “sin-sualidade”, foi a grande semente do Beekeeper.
No livreto que acompanha “A Piano: The Collection”, quando discutia a canção, fica explícito que um dos objetivos de Amos era criar uma imagem triangular sônica, através da união de três elementos: O órgão Hammond, o Coral Gospel e a Percussão Afro-cubana. 3 (três) é um número completamente arraigado em diferentes tradições religiosas, a exemplo da Santíssima Trindade Cristã, e ele sugere iluminação e alcance espiritual.
Para completar, no Piece by Piece, há uma divertida história de amor sobre o Hammond B3 de Tori, que, de algum modo, influenciou Sweet the Sting:

“Toda vez que entrava no quarto pela manhã, para minha prática diária, Big Momma (nome do órgão) estava murmurando. De fato, a entrada de energia dela tinha ficado ligada, mas falo do tipo de murmúrio perceptível numa namorada depois de uma noite romântica. Significa que Big Momma tem um namorado. Outro órgão, especificamente um B3... Este romance remete-me à história de dois organistas-B3, uma mulher e um homem, envolvidos numa dança erótica que gira em torno da tentativa de ambos em impressionar ao outro, por suas habilidades ao tocarem seu próprio instrumento”. (Song canvas, Piece by Piece)

Parasol

“Às vezes quando estou caçando canções, fico quieta e compreendo que na ‘vida real’ posso me sentir caçada também. ‘Parasol’ surgiu desta sensação. As letras e música estão completas, o arranjo está bem próximo. E eu fico observando a pintura que me alcançou umas poucas semanas atrás, vinda de um livro de arte, e me puxou para dentro da própria imagem. Seated Woman with a parasol tornou-se minha protetora e ainda o é durante tempos de grande confronto – não importando se a fonte dessa energia devoradora vem de dentro ou de fora. ‘Parasol’ é minha amiga e confio nela. (...) A pintura Seated Woman... por Georges-Pierre Seurat é um estudo de outra pintura dele, La Grande Jatte. Encontrei-me encarando a mulher sentada com o guarda-sol em outra pintura, também de Seurat, entitulada A Sunday on La Grande Jatte (Detalhe: Mulher e criança)”. (Song canvas, Piece by Piece)


Por Hernando Neto

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